Imagine as seguintes situações:
- Você está na
fila de algum estabelecimento esperando sua vez para ser atendido e outra
pessoa entra na sua frente.
- Você está
dirigindo seu carro e, inesperadamente, leva uma fechada de outro veículo.
- Você caminha
pela rua e é abordado por um assaltante que leva seus pertences.
É possível afirmar que, nos exemplos acima, as
pessoas agiram com o intuito de prejudicar você? De acordo com especialistas, não.
Trata-se de atitudes egocêntricas, em que cada um só pensou em si. Veja : a pessoa que
passou a frente na fila não pensou nas outras que já estavam ali, o motorista
não se importou se o outro também tinha pressa e o assaltante não pensou na sua
perda, somente na necessidade de conseguir dinheiro. O mesmo acontece nas
organizações. É cada vez mais comum encontrarmos líderes vaidosos, prepotentes
e egocêntricos, que não pensam nem mesmo nos valores, metas e objetivos da
empresa na qual trabalham. Mas como esses profissionais podem ser líderes? De
que maneira eles agregam valores junto à equipe se, na prática, somente seus
interesses importam?
De acordo com Vanessa Pinzon, psiquiatra do Instituto
de Psiquiatria da Universidade de São Paulo, todos somos egocêntricos por
natureza e necessidade. Portanto, precisamos estar atentos à nossa preservação
e sobrevivência, o que exige cuidados sempre. A psiquiatra, porém, alerta para
o fato de que alguns seres humanos podem se tomar excessivamente egocêntricos. Segundo
ela, tal mecanismo se desenvolve por vários motivos e um deles está ligado às
características de personalidade. "Nesse caso, o egocentrismo excessivo é
uma característica que compõe a personalidade desse indivíduo, ou seja, ele
está predominantemente voltado para si mesmo e tem muita dificuldade de
negociar, flexibilizar, perceber e se colocar no lugar do outro. Não vê os
sofrimentos ou as necessidades daqueles que o cercam. Ele está sempre em
primeiro lugar para tudo", diz.
Entenda os mecanismos do nosso comportamento:
Ego - Sua
principal função é nos manter vivos, preservar-nos a qualquer custo. É
responsável pela parte consciente da mente, pela tomada de decisões e
integração dos dados percebidos da realidade. Há também uma parte inconsciente,
responsável pelos mecanismos de defesa, utilizados quando há um aumento de
tensão ou ansiedade. Exemplo: permite que alguém perceba que deve se calar em
uma situação. Se há perigo em atravessar a rua, deve-se olhar para os dois
lados antes de fazê-lo.
ID - Completamente
inconsciente, refere-se aos aspectos de satisfação, prazer ou eliminação de
sofrimento ou qualquer desprazer sentido pela mente. Exemplo: não assistir a
uma aula por achar o assunto chato.
Superego -
Também é predominantemente inconsciente e incorpora regras e aspectos morais. Exemplo:
permite discernir que não se pode roubar ou fazer mal a alguém.
Fonte: Vanessa Pinzon, psiquiatra. Com base nas
estruturas da mente definidas na teoria estrutural. Postulada por Freud.
• Identificando um perfil egocêntrico na empresa
Em meio à diversidade de perfis que encontramos
dentro de uma organização, nem sempre é fácil identificar, à primeira vista, um
comportamento egocêntrico entre os colaboradores. Mas, com o tempo, a presença
de indivíduos com traços extremos de egocentrismo se torna facilmente
perceptível. Isso porque, de acordo com o médico e palestrante Lair Ribeiro, os
egocêntricos são aqueles que têm muita dificuldade de conviver em grupos, sejam
eles familiares ou profissionais. "Esse tipo de comportamento leva o
indivíduo a ser uma pessoa extremamente subserviente ou arrogante", explica
o médico.
Lair afirma que, nos dois casos, o problema é o mesmo:
auto-estima. "Pessoas egocêntricas não acreditam suficientemente nelas e
geram uma compensação, que traz certa deformação", afirma. Para ele, esse
tipo de comportamento ocasiona significativos danos sociais, tanto para a
pessoa quanto para aqueles que convivem com ela. "Indivíduos egocêntricos
ao extremo frequentemente demonstram um comportamento indiferente às
necessidades alheias, o que acaba gerando mal-estar na equipe, afastamento dos
outros e não agregando resultados positivos para a empresa", explica.
Líderes egocêntricos:
"Um líder precisa ter presença, gerar
credibilidade e ser uma pessoa resolvida, que coloca o que é importante para
os outros na frente do que é importante somente para ele", reforça Hilário
Trigo, especialista em coaching e desenvolvimento organizacional. Para ele, aquele
líder que a todo momento reflete se o feedback que está dando está correto, se
a forma de se comunicar com seus liderados é viável e só fica se auto-analisando
é inseguro e não vive a liderança como deve ser vivida. "Ele não se
permite jogar o jogo para ganhar, muito menos treinar novos líderes, por medo
de outros tomarem o lugar dele", enfatiza.
Diante do exemplo acima, poderíamos listar alguns
cases de empresas que viveram tal experiência, mas preferimos ilustrar com uma
história universal. Quem nunca leu o livro ou assistiu ao filme O diabo veste Prada?
Na trama, inspirada na realidade vivida na revista Vogue, Miranda Priestly, interpretada
por Meryl Streep, é editora de uma revista de moda. Seu comportamento como
líder é dos mais autoritários, egocêntricos e questionáveis. Para ela, nada
está bom, o que dirá perfeito. As tarefas mais inimagináveis são determinadas
à sua equipe, que tem de fazer o impossível para atender aos seus caprichos, muitos
de cunho pessoal.
Em nosso dia a dia, convivemos com líderes parecidos
com Miranda, que só pensam em si e no seu crescimento dentro da organização, indo
de encontro aos princípios fundamentais de um líder. "Liderança diz
respeito a pessoas, é conduzi-Ias para que 'cheguem a um propósito maior, e não
impor. É o que importa para a equipe, a empresa e as pessoas que estão ao seu
lado", afirma Hilário. Ele complementa ainda que, quando um líder olha
somente para dentro dele, para suas metas, objetivos e tudo o que é importante
apenas para seus interesses, ele para de olhar sua equipe, "A partir desse
momento, deixa de ser líder e não gera resultados positivos para a empresa, É
um chefe ou um gerente, mas não um líder", explica,
A presença do ego e a competitividade:
Imagine uma competição olímpica. Apenas um será o
vencedor, porém todos entram com um mesmo propósito: vencer. No entanto, nem
todos treinam o suficiente para ganhar. Uns podem se dedicar durante um ano
inteiro para tal competição, outros treinam com menos afinco. Mas apenas um
sairá vencedor.
Situação semelhante acontece no dia a dia das
empresas. A maioria dos funcionários almeja os melhores cargos e salários, porém
nem todos estão capacitados para ocupar tais posições. Ainda assim, sempre
haverá competição entre os colaboradores, haja vista a diversidade de níveis de
conhecimentos, habilidades, atitudes, cultura, entre tantos outros quesitos
fundamentais para alcançar uma vaga ou ser promovido. Em meio a diversos perfis
dentro de cada equipe, é possível identificar a existência de uma
característica comum: a presença do ego.
Tanto a diversidade quanto a presença do ego podem
ser saudáveis no ambiente organizacional. "É o que faz as pessoas se
motivarem, crescerem e lutarem por seus objetivos. Se todas as cores fossem
iguais, qual seria a beleza do arco íris?", avalia Lair Ribeiro. Para ele,
gerar competitividade é gerar conflito, o que é sempre positivo em uma equipe. São
justamente essas diferenças de personalidade que criam o verdadeiro desafio
para as pessoas e empresas. "Organizações que têm indivíduos com a mesma
personalidade não são competitivas.
O diferente é o que estimula o egocentrismo moderado
e a competição entre as pessoas. “Por isso, “as empresas mais competitivas são
aquelas em que encontramos profissionais de todas as cores, para fazer o arco
íris”, justifica.”
Como lidar com os egocêntricos:
Há duas palavras fundamentais quando o assunto é o
convívio com pessoas egocêntricas no ambiente de trabalho: adaptação e
alinhamento. Para Lair Ribeiro, com base em um pensamento de Charles Darwin, "não
são as espécies mais fortes nem mais inteligentes que irão sobreviver, mas sim
as com maior capacidade de adaptação".
Por esse motivo, ele afirma que se adaptar é a melhor
maneira para lidar com o egocentrismo no trabalho. "Se você tem um líder
autoritário e não aguenta mais a pressão do trabalho, pode pedir demissão, afinal,
você não nasceu lá. Também tem a opção de se adaptar ao seu líder. Se ele é
egocêntrico, encontre maneiras de falar com ele", explica. Se fosse fácil,
o problema estaria resolvido. A questão se torna difícil, pois, na maioria das
vezes, os processos de adaptação não são simples. "É como se fosse um
renascimento. Para renascer, é preciso passar pelo canal do parto, sempre menor
que o diâmetro da cabeça do feto - então vai doer. E a tendência natural do ser
humano é evitar qualquer tipo de dor", assegura Lair.
Hilário Trigo atenta para outro fator fundamental: a
importância de ter um ambiente corporativo alinhado entre os valores pessoais
e os da organização. De acordo com ele, é preciso, antes de tudo, engajar as
pessoas: "Engajamento é à base do alinhamento e você só consegue isso
perguntando para os indivíduos o que é importante para eles. Se você faz isso, descobre o valor dessas pessoas. Quando
elas não estão alinhadas com os valores da empresa, acabou. Não há mais como
insistir nessa relação entre empresa e colaborador". Nesse caso, a
presença de um líder egocêntrico pode ser altamente prejudicial aos resultados
da em presa, uma vez que indivíduos que desenvolveram tais características a
um grau extremo não interagem, não compartilham nem agregam valores. Muito pelo
contrário, só olham para seus propósitos pessoais. "Eles não conseguem
corresponder às expectativas da empresa, tampouco ajudar liderados com as
mesmas características", garante.
A chave para toda a questão:
Para concluir, voltemos às situações sugeridas no
início desta matéria.
- Você está na fila de algum estabelecimento
esperando sua vez para ser atendido e outra pessoa entra na sua frente.
- Você está dirigindo seu carro e, inesperadamente, leva
uma fechada de outro.
- Você caminha pela rua e é abordado por um
assaltante que leva seus pertences.
Agora fica mais fácil entender por que, no fundo, os
egocêntricos não realizam nada contra nem a favor de você. Eles fazem
simplesmente por eles mesmos, por serem os mais importantes.
A chave para toda essa questão é ter consciência da
ilusão ocasionada pelo egocentrismo. É o que garante Hamilton Bastos, terapeuta
e autor do livro Egocentrismo: a doença. Ego: o vírus. "Escrevi o livro
justamente para fazer com que as pessoas comecem a refletir sobre a questão de
que tudo - as situações e relações, a sensação de posse sobre indivíduos e
coisas - é uma grande ilusão que gera o egocentrismo. Por isso é tão difícil
trabalhar com egocêntricos - as pessoas ainda resistem em se conscientizar de
que é preciso deixar de se sentirem o centro", diz.
EXERCÍCIO PARA AMENIZAR O EGOCENTRISMO
"Você mentaliza todos que conhece - amigos, inimigos,
parentes, pessoas próximas, distantes - o máximo que puder. Dessa forma, começa
a não se sentir o centro, porque nesse momento estará dividindo. Esse é o
antídoto do egocentrismo. É uma prática que poucas pessoas conseguem fazer, pois
pode parecer uma coisa absurda ficar desejando saúde, paz e felicidade para
cada indivíduo. Mas garanto que, mentalizando até aquele seu pior inimigo em
estado de saúde, paz e felicidade, você estará, certamente, diminuindo a
sensação de que é o mais magoado, o mais infeliz, o mais injustiçado. Observando
tais sensações, estará percebendo a si mesmo conscientemente, por isso esse
exercício é importante. Você começa a se sentir integrado com o mundo, e não à
parte dele, assim a sensação de egocentrismo vai reduzindo e você passa a se
sentir uma pessoa melhor."
Para lidar com líderes e funcionários egocêntricos:
- Identifique tal característica no colaborador. Ter
consciência de que isso existe e ajudá-Io na dificuldade de olhar para fora de
si e perceber o outro é fundamental.
- Desenvolva um modelo de comunicação diferenciado
com esse funcionário.
- Entenda o que é importante para ele. Aborde a
questão dos valores pessoais.
- Descubra quais são suas necessidades e conquiste
sua confiança.
- Pergunte qual é a missão e os valores dele.
- Em seguida, alinhe os valores e a missão do
profissional com os da empresa.
- A partir de então, você terá melhores condições de
trabalhar outras questões, como objetivos e metas.
- Estabeleça limites e mensure as vantagens e
desvantagens em permanecer com um colaborador ou um líder egocêntrico na
empresa.
- A dica final é: se você possuir pessoas alinhadas
com a missão e os valores da empresa, vale tentar. Se não tiver os mesmos
interesses, não há jeito. O melhor é demitir!
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