Se
o governo tivesse priorizado o transporte público e a produção local, a
situação teria sido diferente!
Agora que a poeira dá os
primeiros sinais de que começou a baixar, ou a subir, já que alguns caminhões
voltaram a rodar pelas nossas precárias rodovias, é hora de falar sobre as
lições que deveriam ser aprendidas com a greve (ou lockout) dos caminhoneiros.
Até porque, no atual quadro, em que trabalhadores e empresários já perceberam o
tamanho do estrago que são capazes de produzir, não há como garantir que algo
parecido não venha a acontecer novamente nos próximos três ou seis meses. Vamos
aos pontos:
1 – Política de reajustes –
Neste primeiro item, não é necessário entrar muito fundo no debate sobre o
papel da Petrobras. Se ela é uma empresa pública que serve ao cidadão ou se é
um negócio privado que privilegia os acionistas. Nem é preciso ser parente de
um gênio para entender que os reajustes no preço do diesel e da gasolina têm
impactos diferentes na vida do país. Se os impactos são diferentes, os prazos e
o tamanho dos aumentos devem seguir caminhos específicos. O diesel mais caro
onera o transporte de carga, afeta o preço dos alimentos, o valor das passagens
e o bolso do cidadão mais pobre.
2 – O público e o privado –
Em uma situação gravíssima como a que o país enfrentou nos últimos dias, é
preciso haver uma sinalização clara sobre quais são as prioridades. E aqui não
pode haver dúvida: o interesse público deve sempre se sobrepor aos interesses
privados. O que a Prefeitura de São
Paulo fez na quinta-feira, ao suspender o rodízio de carros na cidade, vai
exatamente no sentido contrário. O momento era de deixar os carros em casa,
economizar combustível, priorizar e incentivar o transporte público, liberar as
vias para as bicicletas e para os veículos de emergência. Ao invés de fecharem
escolas, poderiam ter organizado “walking bus” ou “biking bus” para que as
crianças fossem em grupo andando ou pedalando.
3 – Foco na produção local –
Mais uma vez ficou clara a necessidade de valorizar e incentivar o produto
local. Papel a ser exercido não só pelos governos como por toda a população.
Comprar do pequeno produtor, que vive próximo das cidades, garante o consumo de
produtos mais frescos, preferencialmente orgânicos, com mais qualidade, mais
fáceis de transportar e com menos emissões de poluentes e gases de efeito
estufa.
4 – Priorizar os elétricos –
Recuperar o tempo perdido investindo agora em uma malha ferroviária e
hidroviária decente talvez seja custoso e demorado demais. No entanto, o uso da
tecnologia de ônibus elétricos não é nenhuma novidade no país. Há 50 anos,
várias capitais do país dispunham de razoáveis redes de bondes elétricos. Além
disso, ônibus, barcas e VLTs podem, perfeitamente, circular com o uso de gás
natural. Aliás, foi o GNV (Gás Natural Veicular) que evitou que grande parte
dos taxistas ficasse sem trabalhar.
5 – Quem deve ser
abastecido? – Se o combustível é pouco e está acabando, o que fazer? Simples,
correr para o posto e encher o tanque antes do feriadão na Serra. Certo?
Errado. Se não há para todos, é preciso pensar na maioria. E essa maioria anda
de trem, ônibus, barca e metrô. Aliás, você sabia que o Rio de Janeiro ainda
tem trens que são movidos a óleo diesel? Os ramais de Guapimirim e Vila
Inhomirim não puderam funcionar por conta da greve. A negociação com os
grevistas deveria priorizar exatamente a liberação dos caminhões com diesel
para abastecer os ônibus. Não faz nenhum sentido cidades como São Paulo e Rio
de Janeiro ficarem com apenas metade da frota de transporte público por falta
de combustível.
6 – Ferrovias e transporte
marítimo – É fato que o país fez a opção errada pelo transporte rodoviário.
Sucumbiu aos interesses das montadoras há décadas e hoje paga caro pela escolha
equivocada. Mas não precisamos nos conformar com isso. Ainda há tempo para
mudar esse quadro, mesmo que seja lentamente. Hoje as ferrovias respondem por
apenas 20% da movimentação de cargas do Brasil. Esse índice pode e deve
aumentar, é um projeto para 20 ou 30 anos, mas precisa começar agora e ser tema
obrigatório na próxima campanha presidencial.
7 – Escolher bem os
interlocutores – Não há nenhuma dúvida de que o governo subestimou o movimento
grevista e demorou tempo demais para reagir. E quando o fez parecia perdido,
sem saber com quem falar e a quem recorrer. Como se a realidade e as agruras
porque passam os caminhoneiros no Brasil fosse uma enorme novidade. Não são
novidade, e é preciso criar os canais corretos para que isso não volte a
acontecer. Por falar nisso, ainda existe um setor de inteligência no governo?
Estavam de férias?
8 – Plano de contingência –
O Brasil demorou anos para criar um plano de contingência para as enchentes que
assolam, por exemplo, a Região Serrana do Rio e as favelas cariocas. Hoje, mal
ou bem, já existem locais pré-estabelecidos para onde as pessoas devem se
dirigir em caso de emergência. Sirenes tocam quando as chuvas ficam mais
intensas e canais de comunicação mais eficientes foram criados. E se a greve
dos caminhoneiros voltar a acontecer, o que faremos? Quem lidera o gabinete de
crise? Quem aciona as sirenes? Quem negocia com as pessoas certas? Quem garante
que os serviços básicos não sejam interrompidos e que o país não volte a parar?
Por Clarisse Linke, para o
Projeto Colabora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário